4/4 com Kiko Dinucci
Por Thaís Regina
4/4 é uma editoria da Tarântula te ama que apresenta entrevista e crítica em um só texto. São 4 perguntas e 4 resenhas elaboradas por um artista que amamos. Na primeira edição, ninguém mais, ninguém menos que Kiko Dinucci.
Há quem diga que o Letterboxd é a melhor rede social que temos hoje (eu, sou eu que digo). Apesar de ser pouco intuitivo, o aplicativo reúne ótimas listas, tornando-se uma fonte de pesquisa razoável e oferecendo uma forma prática de organizar os filmes que você deseja assistir. Nas resenhas, você encontra de tudo: desde análises longas e complexas até comentários com cheiro de Twitter (rip), passando também pela reprodução de textos críticos sobre cinema que foram publicados originalmente em jornais e revistas que estão fora de circulação.
Recentemente, encontrei a conta do Kiko Dinucci por lá e fiquei encantada. A resenha do Kiko é poesia, é ritmo, lembra Rastilho (2020) e dá vontade de escutar Metá Metá. Com um dedilhar afiado e habilidoso, Kiko consegue dar vazão a um frenesi de referências em um texto curto e instigante. Além de músico, Kiko é cineasta e cinéfilo de carteirinha. Geralmente, quando eu topo com uma resenha dele por lá, acabo lendo mais, investigando o que ele tem assistido, quantas estrelas ele dá para os filmes que assiste e para quais filmes ele não dá notas. Selecionei aqui minhas resenhas favoritas dele e também quatro respostas do Kiko em entrevistas que ele deu à imprensa nos últimos anos. Para cada resposta em que o cinema vira protagonista, uma resenha de um filme.

O Menelick 2º Ato, 2011. A música é o mais forte na sua vida artística, que também envolve o audiovisual e as artes plásticas. Como cada uma destas nuances alimenta a sua música? (…) Mas qual delas é a sua preferida?
A arte que eu mais gosto é o cinema. Poderia viver sem música, mas não sem cinema. Não vivo sem poder entrar numa sala escura e ver um filme numa tela maior que eu. É quase uma terapia. Muito da frustração em não poder fazer cinema passei para a música, porque minhas canções contam histórias, são muito imagéticas e isso é por causa da influência do cinema na minha música. A música é o jeito mais fácil pra mim. Esses dias eu gravei uma em casa, postei no youtube, tudo em menos de uma hora.
Volume Morto, 2017. Você comentou que cortes curtos é mais filme do que disco. Quando/como concebeu o disco dessa maneira, com as canções agrupadas em um único bloco?
Eu concebi elas separadas, tive a ideia de juntá-las só depois do disco gravado. O momento exato foi quando assisti ao filme Adeus à linguagem do Godard, o som do filme é caótico. Tinha acabado de fazer meu longa Breve em nenhum cinema, filme cuja proposta também é trabalhar o som de uma maneira não convencional. Daí resolvi fazer isso com o disco também. Muitas pessoas estão reclamando que disponibilizei o álbum em uma única faixa de 39 minutos. Queria garantir a minha montagem cinematográfica. As pessoas têm dificuldade de sair da zona de conforto e entrar na zona de confronto. As canções são fragmentadas mas só fazem sentido agrupadas, como uma sequência de filme.
Volume Morto, 2017. Criar a partir cenas cotidianas e construir personagens é uma característica de suas composições e neste disco aparece com mais evidência. Como esse estilo foi crescendo em sua escrita e o que te atrai nesse formato?
Acho que isso foi influência do cinema também. Eu sempre gostei de inventar estórias. Quando eu era criança, meu pai me levava do subúrbio pro centro pra ir ao cinema. Eu assistia vários filmes, mas o que eu gostava era de ver os cartazes de filmes que ainda não haviam entrado em cartaz e inventar estórias para contá-las aos meus amigos do bairro. Acho que minha alma de ficcionista nasce nesse momento. Tem gente que hoje diz que eu quando falo de um filme, começo a inventar coisas e cenas que não estão na película. Acho que isso contamina a música. No caso do samba, a coisa de contar estória é muito comum, no rap também já foi com o Mano Brown e hoje o maior cronista do rap é o Rodrigo Ogi.
CineSesc, 2015. Temos muitos estudantes de cinema que frequentam os cursos do CineSesc. Pensando neles, e numa possível junção entre música e a sétima arte, que formação complementar você indicaria? Que leituras são essenciais?
O cineasta francês Abel Gance dizia que o cinema é a música da luz. No entanto, música pode ser mais coisas do que a simples junção de ritmo, melodia e harmonia, música é som e som pode ser tudo que vibra e chega aos nossos ouvidos, ruídos, barulhos. Sendo o cinema a soma de todas as artes, os estudantes de cinema terão que estudar sete vezes mais, teatro, artes plásticas, literatura, fotografia, arquitetura, histórias em quadrinhos, música e sobretudo exercitar o pensamento sobre todas essas linguagens. Quando digo estudar, não se restringe a leitura de livros ou cursos universitários. De uma maneira mais ampla, me refiro à vida, à rua, ao exercício, à prática, à investigação, à curiosidade, e claro, aos riscos.





